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Pedra Benedictione

Mafra

 (…) tome nota, e porque também os pesos velhos levaram o caminho das medidas velhas, em vez de duas mil cento e doze arrobas, diremos que o peso da pedra da varanda da casa a que se chamará de Benedictione é de trinta e um mil e vinte e um quilos, trinta e uma toneladas em números redondos, senhoras e senhores visitantes, e agora passemos à sala seguinte, que ainda temos muito que andar. (…). 

Tão grande fora o sofrimento durante este arrastado dia, que todos diziam, Amanhã não pode ser pior, e no entanto sabiam que iria ser pior mil vezes. Lembravam-se do caminho que descia para o vale de Cheleiros, aquelas apertadas curvas, aqueles declives espantosos, aquelas empinadas encostas que caíam quase a pique sobre a estrada, Como será que vamos passar, murmuravam para si próprios. (…)  Perto da hora de jantar chegaram a um alto donde se via Cheleiros, no fundo do vale. (…). 

Quando a pedra chegou ao fundo do vale, as juntas de bois tornaram a ser atreladas. Porventura o mandador das desgraças se arrependeu da parcimónia primeira, foi o caso que a plataforma desandou sobre um afloramento de rocha e entalou dois animais contra a encosta a pique, partindo-lhes as pernas. Foi preciso acabar com eles, à machadada, e quando a notícia correu vieram os moradores de Cheleiros ao bodo, ali mesmo foram os bois esfolados e desmanchados, corria o sangue pela estrada, em regueiros, de nada serviram os soldados e as pranchadas que deram, enquanto houve carne agarrada aos ossos esteve o carro parado. Entretanto, anoiteceu. (…) Amanhã, antes de nascer o sol, recomeçará a pedra a sua viagem, em Cheleiros ficou um homem para enterrar, fica também a carne de dois bois para comer. (…). 

Memorial do Convento, 1982, p. 164, 173, 176
O itinerário da pedra Benidictione, para a varanda da Galeria da Bênção, encimando o pórtico da Basílica

Ponte Medieval

Do núcleo medieval de Cheleiros, formado na margem norte, a poente da ponte medieval, no atual Largo da Praça, em contraponto com a Igreja Matriz, também de fundação medieva, construída no sítio do arrabalde (como é designado ainda no século XIX), saíam dois caminhos que ligavam a localidade a Mafra, isto durante as Idades Média e Moderna.

Estrada de Cheleiros

A estrada mais antiga ligava Cheleiros ao Boco, pelo vale do Ribeira Borrigia, servindo quem vindo de sul, atravessasse a ponde medieval, indo até ao Largo da Praça, tomava o caminho na direção norte, implicando a passagem pelo Longo da Vila até chegar à Vila Velha (Mafra). A outra estrada, posterior e com menor expressão, que partia de Cheleiros tomava a direção da Igreja Nova, sem passar pelo centro desta localidade, percorria a Carrasqueira e chegava ao sítio das Velas ou Vela, em Mafra, onde hoje se situa o Palácio-Convento de Mafra. Este troço, Cheleiros-Igreja Nova-Carapinheira-Vela (Mafra) só se impôs no século XIX com a construção da ponte nova, datada do final do século XVIII, início do século XIX.

Foi pelo troço viário Cheleiros-Boco-Longo da Vila-Vela (Mafra) e pela ponte medieval, que na primeira metade do século XVIII, passou a maior parte das matérias-primas, nomeadamente do calcário e mármore, utilizado na construção do Palácio-Convento de Mafra, constituindo um ponto de passagem fulcral, integrando-se, então, numa extensa rede de estradas devidamente calcetadas. Entre as muitas toneladas de pedras transportadas pelas estrada e ponte velhas de Cheleiros até ao sítio da Vela, em Mafra, a mais importante foi a pedra Benedictione, que encima o pórtico da Basílica, na Galeria da Bênção, onde os monarcas assistiam aos ofícios litúrgicos.