fbpx

Histórias Esquecidas de Manuel Milho V

PT

As pedras serão outras | Mariano Alejandro Ribeiro

— Mas quem as carregue serão sempre os mesmos! — Empoleirava-se e não deixava ninguém falar. Se o santo ofício o visse, assim, empoleirado, dedo rijo apontando ao céu e a dizer as coisas que dizia, não teria dúvidas do que fazer com ele. Continuou: — E os conventos outros, com outras deidades mais finas ou mais gordas, e outros profetas e diferentes martírios, certamente com outros deuses, mas com as mesmas devoções histéricas!

Eram muitos e estavam no meio de um lugar muito vazio e bastante parecido às histórias de desertos. Notou os corpos cansados dos homens com quem viajava. Esses corpos não sabiam ouvir.

— Se ser pessoa guarda certo significado, e mexemo-nos nesta vida à procura desse significado (como aqueles peixes rosados que sobem torrentes estúpidas de água que teima em ir só para um lado); se só assim somos capazes de encontrar o nosso tal sentido, mais cedo ou mais tarde surgirá a dúvida: mas e então, se tudo se move à procura de significado, o que fica para ser? — Esperou olhares, mas nenhum veio na sua direcção. Continuou: — Não é pergunta simples, deixai-me repeti-la: o que fica? Evidentemente, ficará o céu e alguns astros, que são o que são, ficarão aquelas árvores que não fomos capazes de deitar abaixo, ficarão as formas recortadas de montanhas e falésias, mas de nós, pessoas, o que há-de ficar? Quem é aquele que poderá ser algo, não no movimento, senão precisamente na sua tendência à imutabilidade? Quem é aquele que sendo quieto, já é tudo o que poderá ser?

Calou-se por um instante, todos os demais ficaram calados. O cansaço reinava pacato. Um bando de aves muito alto sobrevoou as cabeças de todos aqueles condenados. Formava uma seta perfeita na abóbada azul.

ES

Las piedras serán otras | Mariano Alejandro Ribeiro

— ¡Pero quiénes las arrastren serán siempre los mismos! — Se entusiasmaba y no dejaba hablar a nadie. Si el santo oficio así lo viera, tan entusiasmado, dedo recto señalando el cielo y diciendo las cosas que decía, no tendría dudas sobre qué hacer con él. Continuó: — Y los conventos otros, con otras deidades más finas o más gordas, y otros profetas y diferentes martirios, seguramente con otros dioses, ¡pero con las mismas devociones histéricas!

Eran muchos y estaban en el medio de un lugar muy vacío y bastante parecido a las historias de desiertos. Notó los cuerpos cansados de los hombres con los que viajaba. Esos cuerpos no sabían escuchar.

— Si ser persona acoge cierto significado, y nos movemos por esta vida buscando ese significado (como aquellos peces rosados que suben torrentes de agua estúpida que insiste en ir apenas hacia un lado); si sólo así somos capaces de encontrar ese sentido nuestro, tarde o temprano surgirá la cuestión: si todo se mueve buscando un significado, ¿qué es lo que queda para ser? — Esperó miradas, pero ninguna vino en su dirección. Continuó: — No es una pregunta simple, dejadme repetirla: ¿qué es lo que queda? Evidentemente, quedará el cielo y algunos astros, que son lo que son, quedarán aquellos árboles que no fuimos capaces de derribar, quedarán las formas recortadas de montañas y acantilados, pero nuestro, gente, ¿qué quedará? ¿Quién es aquel que podrá ser algo no en el movimiento, sino justamente en su tendencia a la inmutabilidad? ¿Quién es ese que, siendo quieto, ya es todo lo que podrá venir a ser?

Se calló por un instante, todos lo demás permanecieron callados. El cansancio reinaba pacato. Un bando de aves muy alto sobrevoló las cabezas de aquellos condenados. Formaba una flecha perfecta en la bóveda azul.