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Histórias Esquecidas de Manuel Milho XVIII

PT

Memórias do rio
Maíra Zenun

A noite já corria alta, ninguém mais se aguentava. Dormiam. De repente, José Pequeno e Baltasar foram os primeiros a acordar, depois Rufino. Por causa do barulho que vinha do rio. Parecia avalanche de terra… ou, vai ver, era apenas o correr das águas, que não dormem nunca. Mas que, naquela noite, estremeceram o leito do rio. E rosnaram muito, gritaram muito. Só Manuel Milho que não. Aquele nem acordou nem se mexeu. Dormia feito um menino. Mesmo com aquele barulho todo… de assustar espírito antigo. Foi só na manhã seguinte, só mesmo de manhãzinha, que Manuel Milho conseguiu encarar todas aquelas curiosidades apontadas para ele, erigidas, sobre o porquê tinha contado aquela história tão estranha, tão distraída, do ermitão com a rainha, do rei-homem que adorava o que fazia. Foi só no dia seguinte que ele nos disse que, quando eu era criança, eu ouvia muito, eu ouvia tudo. Eu ouvia todos os ventos e histórias… eu ouvia. Havia mesmo, eu me lembro, sempre as daquela senhora – linda, negra, iluminada… – que se prostrava ao pé da nossa porta, para sussurrar uns segredos… para sufocar suas memórias. Como quem nunca descansa, nunca pára… Ela rodopiava, cantarolava… uns assobios que eu nunca ouvira. Nem sabia. Mas, achava lindo… achava tão lindo que guardava. É que, de repente… de repente, do nada… de repente, ela dizia… ela sempre me repetia… sobre o cheiro que a sua vida tinha, antes de tudo, antes mesmo de abrirem aquela velha estrada, ligando tantos caminhos. Ela dizia, encontro de rio e perfume de flor de laranjeira, menino, são uma espécie de memória que a gente nunca que não esquece, jamais nessa vida. É coisa que a gente sabe que nunca que não se ausenta mais da gente, que nunca que não escapa mais da gente, nunca mais nessa vida. Ela ocupa cada vão do rio da nossa alma. Num tipo de fronteira que é. E que não é. Mesmo ainda… quase nada, ela dizia. Quando eu era criança, havia sempre essa senhora, nossa vizinha – linda, negra, iluminada… uma rainha. Filha daquela família que vinha lá de Faro. Mas que antes, ainda, vinha mesmo era lá de um dos Nortes da terra dos mouros. Lá de onde os rios são largos, são intensos… infinitos. Lá de onde os rios nunca voltam, especialmente os rios bonitos… nunca que voltam mais, nunca mais. Atrás de nada na vida. E ela sempre me repetia essa mesma memória… sempre me dizia, sempre… Sobre o cheiro que a flor tinha. Foi por isso, então, que eu fui ficando assim, distante. Assim, para dentro, nos contou Manuel Milho. Aquele que não sabia de nada, mas que sabia, especialmente de onde vinha, cada uma das suas histórias, das memórias, que ele tinha.



ES

Memorias del rio
Maíra Zenun

La noche ya iba alta, nadie más se aguantaba. Dormían. De un repente, José Pequeno e Baltasar fueron los primeros despertando, después Rufino. A causa del ruido que venía del río. Parecía una avalancha de tierra… o, quizás, solo el corrimiento de las aguas, que duermen nunca. Pero que, esa noche, habían hecho temblar el lecho del río. Y habían gruñido un montón, gritado tanto. Solo Manuel Milho que no. Aquel ni había despertado ni se movido. Dormía hecho un niño.  Mismo con todo aquel rumor…de espantar espíritu antiguo. Fue apenas en la maña siguiente, mismo de mañanita, que Manuel Milho logró encarar todas aquellas curiosidades apuntadas para él, erigidas, sobre el porqué de haber relatado aquella historia tan rara, tan distraída, del ermitaño con la reina, del rey-hombre que amaba lo que hacía. Fue apenas en el día siguiente que nos dicho que, cuando era niño, escuchaba mucho, escuchaba lo todo. Escuchaba todos los vientos y historias…yo escuchaba. Había mismo, me acuerdo, siempre la de aquella señora – linda, negra, iluminada…– que se prostraba cerca de nuestra portada, para susurrar unos secretos…para ahogar sus memorias. Como quien nunca descansa, nunca se para… Ella giraba, cantaba…unos silbos como nunca escuchara. Ni sabía. Mientras, lo vía todo precioso… lo vía tan precioso que lo guardaba conmigo. Es que, de repente…de pronto, de la nada…en un ápice, ella decía…ella siempre me repetía… sobre el olor que su vida tenía, antes de todo, antes mismo que abrieron aquella vieja carretera, conectando tantos caminos. Ella decía, encuentro de río y perfumo de flor de naranjera, niño, son una especie de memoria que la gente no olvida, jamás en esa vida. Es una cosa que no se va de la gente, que no huye de la gente, nunca en esa vida.  Ella ocupa cada espacio del río de nuestra alma. En un tipo de frontera que es. Y no es. Mismo aún…casi nada, ella decía. Cuando yo era un niño, había siempre esa señora – linda, negra, iluminada… una reina. Hija de aquella familia que venía de allá, de Faro. Pero que antes, venía mismo de un de los Nortes de la tierra de los moros. Allá, donde los ríos son anchos, son intensos…infinitos. Allá donde los ríos nunca vuelven, especialmente los ríos bonitos…nunca más vuelven, jamás. Detrás de nada en la vida. E ella siempre me repetía esa misma memoria…siempre me decía. Sobre el olor que la flor tenía. Fue por eso que, entonces, yo fue me quedando así, distante. Así para dentro, nos há comentado Manuel Milho. Aquel no sabía de nada, pero que sabía, especialmente donde venía, cada una de sus historias, de sus memorias, que tenía.