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Sinos-Estátuas-Frades

Loures e Mafra

 (…). Em Fanhões parou o cortejo porque os moradores quiseram saber, nome por nome, quem eram os santos que ali iam pois não é todos os dias que se recebem, ainda que de passagem, visitantes de tal grandeza corporal e espiritual, uma coisa é o quotidiano trânsito dos materiais de construção, outra, poucas semanas há, o intérmino cortejo dos sinos, mais de cem, que hão-de rebimbar nas torres de Mafra a imperecível memória destes acontecimentos, outra ainda este panteão sagrado. (…). 

Memorial do Convento, 1982, p. 219.
Os itinerários dos tijolos, estátuas e sinos para Mafra, pelas estradas de Montachique e Pinheiro de Loures que passam pela Malveira

Estrada da Malveira (EN8)

Apesar da Malveira não ser referenciada diretamente na obra “Memorial do Convento”, é um dos locais por onde passaram parte dos materiais de construção empregues no Convento de Mafra, nomeadamente os tijolos vindos das províncias do Algarve e de Entre-Douro-e-Minho (que se juntaram aos fabricados nas centenas de fornos de tijolo e cal situados entre Mafra e Cascais), as estátuas dos santos de grande dimensão esculpidas nas oficinas de Roma, Florença e Génova (que constituiu, ao tempo, a maior encomenda de escultura italiana realizada fora de Itália, no total de 58 estátuas e três baixos-relevos para a Basílica de Mafra, datada na sua maioria do início da década de 1730), e, ainda, os sinos para as duas torres sineiras da Basílica, formando dois carrilhões com cerca de 108 sinos, fundidos em 1730, nas cidades de Liége, oficinas de Nicolau Levache (torre norte), e Antuérpia, fundição de Willem Witlockx (torre sul).

O itinerário realizado pelos tijolos, estátuas e sinos é comum, os quais foram transportados por barco, do Porto de Lisboa, ao longo rio Tejo, entrando por um dos seus afluentes, o rio Trancão (outrora também designado rio de Sacavém), e desembarcados no porto de Santo Antão do Tojal, localizado no Concelho de Loures.

A partir daqui foram transportados por carros de tração animal (juntas de bois), supervisionados por soldados, nomeadamente de infantaria, e mão-de-obra especializada que trabalhava na construção do Convento de Mafra, tomando ou a estrada que passando por Pintéus e Fanhões atravessava a localidade de Cabeço de Montachique (até aqui território do Concelho de Loures), percorria o troço da povoação da Malveira, seguindo pelo Casal do Moinho-Alcainça Pequena-Porta Vermelha-Mafra (estrada distrital 85-A, segundo o Guia Itinerário de Portugal, 1884); ou, então, a outra estrada que passando pelo Pinheiro de Loures, chegava à Malveira e fazia o mesmo percurso da anterior.

O itinerário das estátuas e dos sinos foi o primeiro, tendo as estátuas suscitado grande admiração na povoação de Fanhões, cujos habitantes quiseram saber o nome dos santos que por aí passavam, e os sinos que desembarcados no porto de Santo Antão do Tojal foram sagrados pelo primeiro Patriarca de Lisboa, D. Tomás de Almeida. O conjunto de sinos foram acompanhados pelo procurador da cidade de Lisboa e 400 soldados de infantaria, divididos em duas frações, que coadjuvavam a manobra dos carros e os sustentavam nos grandes declives.

 (…) Quis o acaso, agenciador de bons e maus sucessos, que se encontrassem as estátuas com os noviços no ligar da estrada que vem de Cheleiros com a que vem de Alcainça Pequena, e isso foi ocasião de grandes demonstrações de regozijo por parte da congregação, pelo afortunado augúrio. (…). 

Memorial do Convento, 1982, p. 222.

Praça Monumental de Santo Antão do Tojal

O porto fluvial do rio Trancão, em Santo Antão do Tojal, foi essencial para o transporte dos sinos e das estátuas destinadas à Real Obra de Mafra, bem como outros materiais de construção, nomeadamente os tijolos.

Para assegurar o transporte de todos estes materiais foi publicada, em 1730, uma Ordem Régia que determinou a construção do caminho de Santo António do Tojal até Mafra de forma a permitir a passagem de três carruagens emparelhadas. Desembarcados em Santo Antão do Tojal os materiais seguiam por esta Estrada Real, passando por Fanhões, Montachique, Malveira até Mafra.

Em Santo Antão do Tojal foi o local onde se realizaram as cerimónias da bênção dos sinos destinados à Basílica Real, solenidade presidida por D. Tomás de Almeida, o 1º Patriarca de Lisboa, na presença do rei D. João V e demais membros da corte.

Igreja de São Saturnino de Fanhões

A Estrada Real que vinha de Santo Antão do Tojal cruzava o interior da povoação de Fanhões, passando junto à Igreja Matriz dedicada a São Saturnino, seguindo na direção de Montachique até entroncar na atual EN8. Durante longos anos os habitantes desta localidade viram passar várias juntas de bois carregados com os materiais necessários à construção do Convento-Palácio de Mafra. Seguramente que o trânsito dos sinos de grande dimensão e das várias estátuas italianas foram motivo de alvoroço entre os habitantes, episódio brilhantemente evocado por José Saramago no seu livro.

Ponto de encontro dos frades e das estátuas entre as estradas que vêm de Cheleiros e de Alcainça Pequena

Largo da Igreja de São Miguel de Alcainça

A estrada de Cheleiros por onde passaram os frades em direção ao Convento de Mafra foi o troço Cheleiros-Igreja Nova-Carapinheira-Vela (Mafra), que só se impôs no século XIX, sobre o caminho mais antigo, Cheleiros-Boco-Longo da Vila-Vela (Mafra), com a construção da ponte nova, datada do final do século XVIII, início do século XIX. Esta estrada partindo de Cheleiros tomava a direção da Igreja Nova, sem passar pelo centro desta localidade, percorria a Carrasqueira e chegava ao sítio das Velas ou Vela, em Mafra, onde hoje se situa o Palácio-Convento de Mafra.

A estrada de Alcainça Pequena fazia a ligação com as estradas que vinham de Cabeço de Montachique e do Pinheiro de Loures, por onde passaram as estátuas, mais concretamente a estrada distrital 85-A, segundo o Guia Itinerário de Portugal (1884), que chegando à Malveira, passava pelo Casal do Moinho-Alcainça Pequena-Porta Vermelha-Mafra.

O ponto de encontro dos frades e das estátuas deve ter sido em Alcainça Grande, possivelmente no largo da Igreja Matriz, contíguo à Capela do Espírito Santo, núcleo urbano central da povoação.